
Todo fim de ano traz uma sensação coletiva de recomeço. A mudança de data cria a impressão de que um novo ciclo começa automaticamente, como se o simples avanço do calendário fosse suficiente para produzir transformações profundas.
Do ponto de vista psicológico, essa sensação é compreensível. Marcos temporais funcionam como organizadores mentais. Eles ajudam a separar fases da vida e podem, sim, aumentar momentaneamente a motivação. O problema surge quando a expectativa de mudança não é acompanhada de ações concretas.
A literatura em psicologia comportamental descreve o chamado efeito do recomeço, em que datas simbólicas aumentam a percepção de possibilidade de mudança. No entanto, esse efeito costuma ser breve.
Sem alterações reais no comportamento, a motivação inicial diminui e a frustração aumenta. A pessoa passa a interpretar o fracasso como falta de força de vontade, quando, na realidade, o problema está na ausência de um plano viável e sustentado ao longo do tempo.
É comum, nesse período, criar uma imagem idealizada de quem gostaríamos de ser. Essa versão costuma ser mais produtiva, emocionalmente regulada e disciplinada do que o eu atual.
O risco dessa fantasia é a distância entre expectativa e realidade. Quanto maior essa distância, maior a chance de desistência. A mudança comportamental não começa a partir de quem gostaríamos de ser, mas de quem somos hoje, com nossos limites, recursos e contexto atual.
Outro fator que dificulta a mudança é a influência do ambiente social. O início do ano costuma vir acompanhado de discursos sobre sucesso, produtividade, corpo ideal e felicidade.
Muitas metas surgem mais de pressões externas do que de valores pessoais. Quando os objetivos não têm significado real, a adesão tende a ser baixa e o comportamento não se sustenta.
A mudança pessoal está entre os processos mais complexos do comportamento humano. Não porque seja impossível, mas porque exige repetição, tolerância ao desconforto e revisão constante de estratégias.
Do ponto de vista da psicologia baseada em evidências, a mudança não acontece apenas por desejo. Ela precisa ser colocada em prática e reforçada ao longo do tempo. Sem esse reforço, o comportamento antigo tende a reaparecer.
Metas vagas aumentam a chance de fracasso. Dizer que quer “mudar”, “melhorar” ou “ter um ano diferente” não oferece informações suficientes para orientar o comportamento.
Metas eficazes são específicas. Elas indicam exatamente o que será feito, em que contexto, com que frequência e em quais condições. Esse nível de clareza reduz a ambiguidade e aumenta a probabilidade de ação.
Na psicoterapia, especialmente nas abordagens baseadas em evidências, a mudança é construída de forma gradual e acompanhada.
O processo envolve identificar padrões, ajustar expectativas, construir estratégias possíveis e revisar o plano sempre que necessário. O objetivo não é eliminar erros, mas aprender a retomar o caminho mesmo após desvios.
Esperar constância perfeita é uma das formas mais comuns de abandono. A mudança comportamental envolve avanços e retrocessos.
O mais importante não é evitar falhas, mas desenvolver a habilidade de voltar ao processo após elas. Esse retorno é o que diferencia tentativas frustradas de mudanças sustentáveis.
Virar o calendário pode ser um ponto de partida simbólico, mas não é suficiente para transformar a vida. A mudança real exige ação deliberada, constância e metas alinhadas com valores pessoais.
Se 2026 for diferente, não será por causa da data, mas pelas escolhas feitas repetidamente ao longo do caminho.

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